25.7.09

NÃO TENHO TEMPO! Sónia Silva

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Não tenho tempo!
Chego cedo do trabalho!
Pelo menos mais cedo do que chegava quando trabalhava até às 23h!
Saio às 18:30h e porque não me apetece suportar o habitual trânsito, engonho com os colegas à porta do trabalho com um cigarro.
A cabeça ainda trabalha!
É-me difícil desligar o “interruptor” conforme desligo o Windows.
Ainda me sai um “Diga?”, ou um “Não compreendi o que me disse…”, ou um “Permita-me interromper…”!
As chamadas são consecutivas e iguais.
O discurso é repetitivo, automático, programado… e por consequência torna-se inconsequente.
Já não penso bem no que digo e sai, simplesmente!
Chego a casa pelas 20:00h.
E sento-me no sofá exausta…e fico em silêncio.
Ligo a televisão, mas só para ver os bonecos!
Só para ver as imagens!
Fico sentada e tento sossegar.
Fico em silêncio e completamente imóvel horas!

E no silêncio, horas depois do trabalho, ainda escuto as conversas com os clientes, o som dos telefones…
A minha cabeça ainda produz, de forma autónoma, as frases de abertura e fecho de chamada (“Sxxxxxxxx Txxxx*, muito boa tarde! Fala Sónia Silva, em que posso ser útil?”) …
Estou tão exausta que dá-me a fome, mas não me mexo.
Não me levanto para jantar porque estou exausta.
Fico-me pelo sofá completamente imóvel, durante horas…
Até conseguir coragem para me levantar para as tarefas, para regar as árvores do quintal, espiar o “gato-ocupa” que a troco de ratos mortos, aluga a velha capoeira dos pombos!
Aí relaxo e deixo gradualmente de ouvir o som dos telefones!
A cabeça começa a pensar para além do trabalho, que é brutalmente repetitivo e contínuo.
E depois, algumas horas depois de chegar a casa, penso no jantar!
Quando trabalhava até às 23h, chegava a casa por volta da meia-noite.
Isto se um cliente não se lembrasse de ligar mesmo no fecho da linha só para chatear!
E mesmo a essas horas, também se engonhava à porta do trabalho para o cigarro mais curtido do dia: o cigarro imediatamente fumado após sair do trabalho!
Chegava a casa com fomes terríveis, comia uma bucha mais farta do que a hora aconselhava!
Via televisão até às quinhentas e adormecia pelas 2, 3 horas da manhã.
Entrava ao trabalho às 14h, mas o tempo não rendia nada!
Aí tinha menos tempo! Não fazia mais nada!
As folgas eram muitas vezes para ficar por casa a descansar e para dormir!
Ainda continuam a ser, mas agora já tenho tempo para regar o quintal!
É a diferença!
Mais de resto, continuo a não ter tempo!
Tempo para estar com os amigos, para acabar o curso, para ler um livro, para abrir o mail…
… para ter um cachopo!
Não consigo arranjar tempo, a cabeça não me permite construir tempo…
Não consigo desligar e produzir tempo para viver!
As semanas passam, os meses seguem-se…o tempo passa a correr!

* Sónia Silva é operadora de call center e tem o 3º ano do curso de Política Social. O autor deste projecto não gostaria que tivesse problemas no trabalho, por citar o nome da empresa para a qual trabalha. Por isso optou por ocultá-lo.

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